“Diferentemente do descobrir que se relaciona com desvelar, Invenção se alinha com elaborar”

“Diferentemente do descobrir que se relaciona com desvelar, Invenção se alinha com elaborar”

A relação entre Invenção e Descoberta alcança longínquas rotas e possíveis caminhos de discussão no campo psicanalítico, tantos que aqui nesse breve texto não serão liquidados. Sendo assim, ater-me-ei a uma questão de perspectiva com relação à estética da psicanálise.

De forma sucinta, dependendo de como encaramos a psicanálise em seu surgimento – numa perspectiva inventiva ou descobridora – alcançaremos um modelo, uma forma em que esta se apresenta. Em minha monografia levantei esta questão onde discuti em que termos a psicanálise pode ser dita como uma ciência e como um discurso crítico da modernidade, ao mesmo tempo.

Em linhas gerais, o que poderia dizer sobre a Descoberta e a Invenção? A primeira pode ser alinhada com o desvelar, sentido que remete a algo do transcendente. Ou seja, “retirar o véu” nos deixa claro que algo já preexiste e está para ser encontrado. Pode-se dizer então que a Descoberta envolve um ato de fé. A segunda, a Invenção, ocupa o lugar da criatividade. Esta claramente está ligada as artes de modo geral. Diferentemente do descobrir que se relaciona com desvelar, Invenção se alinha com o elaborar. Aqui de modo algum se parte do pressuposto que algo preexiste, diria que o que importa é a criação de sentidos. Parece-me claro que esta posição não é tão confortável quanto a Descoberta, pois implica numa autonomia do sujeito, uma independência que demanda responsabilidade.

Dito isso, a questão que coloquei em minha monografia, e que trago aqui é: pode-se encarar a psicanálise como uma Descoberta de Freud ou como sua Invenção. É preciso entender que as duas colocações trazem implicações completamente opostas que mudam radicalmente o estatuto da psicanálise e a importância dessa questão está no limite do que sustenta o discurso da mesma. Sabemos que ela emerge num campo médico e numa tentativa de psicologia científica. Contudo, seu caminho nos mostra outras considerações que se afastam do discurso médico de sua época. Da mesma forma, como nos ensina Foucault, que essas considerações sobre descoberta e invenção são aplicadas na História, podemos aplica-las na história da psicanálise. Fundamentalmente isso divide muitos analistas, pois suas práticas dependem invariavelmente desse ponto de partida (mesmo que muitos nunca tenham pensado nisso). Não entrarei no mérito de como essas práticas se apresentam. O intuito aqui é apenas apresentar um ponto que geralmente é deixado de lado quando se trata da estética do discurso psicanalítico.

Levando em consideração o que fora dito acima gostaria de levantar um ponto que está presente nos artigos de técnica de Freud, a questão da Elaboração. Penso que o processo de elaboração é invariavelmente criativo. Seu caminho não é descobrir algo esquecido e abracadabra! Devemos sempre lembrar que o trabalho analítico não se baseia na indução. E como disse acima, a Descoberta retira totalmente a autonomia do sujeito sobre sua realidade psíquica. Comentei no texto anterior sobre a liberdade que é necessária no setting analítico para preservar a autonomia do sujeito. O processo de elaboração diz respeito a isso. Elaborar não é um ato de fé. Mas sim um processo inventivo que requer esforço e tempo, tanto do analisando quanto do analista.

Da mesma forma que afirmei anteriormente que Elaborar não é um ato de fé, mas criativo, se estamos seguindo o raciocínio juntos, podemos entender o porquê de certas práticas soarem estranhas aos ouvidos da psicanálise. Como por exemplo, na contemporaneidade de Freud quando C. G. Jung fora afastado do círculo psicanalítico por tentar induzir o discurso da religião na teoria de sujeito proposta pela psicanálise. Outro exemplo, agora na atualidade, especificamente no dia 07 de fevereiro de 2017, o fato de o Órgão Regional de Psicologia do estado do Rio de Janeiro ter que se colocar publicamente advertindo aqueles que se autodenominam formados em Psicologia Cristã. A discussão da religião é longa e caberá em seu devido tempo.

Para concluir, acho importante salientar novamente que a prática analítica está em paralelo com a perspectiva da Descoberta e da Invenção. De modo que na história de sua transmissão diversos autores foram deixados de lado ou exaltados. Esse movimento não se dá a toa, além da psicanálise a sociologia introduziu uma questão devidamente importante sobre a dinâmica social que alimentou muitos dos últimos escritos psicanalíticos: A questão da sociedade da performance. Não por acaso nos últimos anos o campo das terapias vem se abastecendo de discursos de desempenho e performáticos. Assim, se introduzirmos um prisma analítico sugerido no início desse texto, seremos capazes de perceber coisas notáveis de tais práticas. Mas como defendi anteriormente, o ato de Elaborar está longe do que, por exemplo, Ash Ketchum faz com Pikachu (da animação japonesa Pokémon); este que é seu treinador e busca sua evolução para atingir o máximo do desempenho e de sua performance.

Lucas Chagas Moreira - Psicólogo

Graduado em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense;
Com experiência teórico-prático e estudioso de Psicanálise, atua com clínica psicanalítica.
Para mais informações: http://lattes.cnpq.br/2277088041709759

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