Um dos meus livros da cabeceira foi escrito por um cara que é, por muitos, considerado o homem mais feliz do mundo. Achei bastante engraçado alguém dar a outro alguém um título como este. Porque em meu pensar felicidade é algo que não há como medir, apenas sentir. Mas hei, posso estar redondamente enganada! E tudo bem.

Matthieu Ricard apareceu em minha vida totalmente por acaso. Anos atrás em um evento chamado Fronteiras do Pensamento, assisti Paul Bloom (pesquisador e psicólogo canadense) demonstrar algo que foi uma grande surpresa. Que a empatia, algo que eu me esforçava há anos para propagar em minha atuação, tinha características e possibilidades que eu até então desconhecia.

Compreendo e uso o conceito de empatia como sendo a experiência de estar em ressonância com o que outra pessoa sente. Tomando o cuidado de lembrar que não há como sentir exatamente o que e como o outro sente. (Já escrevi sobre isso em artigos anteriores na página do Entre nós. Se quiser saber mais vale acompanhar!) Somos indivíduos diferentes, com experiências singulares e por isso o modo como sentimos também é particular e único. Mas há como se conectar com o que o outro sente e ressoar esta emoção. Isso seria, no meu sentipensar, a tão falada empatia.

O que desconhecia até aprender com Paul Bloom foi que a empatia pode ser algo importante e, em grande parte dos momentos, ela definitivamente é. Mas ela também pode gerar funcionamentos internos e comportamentos que podem resultar no oposto do que costumamos ter como objetivo quando pensamos e tentamos pratica-la.

Um pouco confuso? Explico. Quando sentimos empatia por uma pessoa, se não tivermos muita clareza do que é sentimento nosso, do que é sentimento do outro e, principalmente, do que queremos para o mundo em que vivemos, podemos ser completamente tomados pelo sofrimento do outro. Quando isso acontece – quando ficamos preenchidos pelo o que acreditamos ser o sentimento de outra pessoa – tendemos a focar todos os nossos pensamentos e esforços nesta única pessoa, no que achamos que ela sente, passa ou sofre. De uma hora pra outra corremos o risco de rapidamente transformar a situação em “nós e esta pessoa” versus “o outro”. Ás vezes chegamos a transformar a situação em “eu e esta pessoa” versos “o resto do mundo”. Reflitam sobre o risco que este versus pode acarretar. Lembremos que, muitas vezes, pequenas e grandes guerras começaram quando o versus entrou na jogada.

Outro fator muito importante encontrado por Paul Bloom em suas pesquisas foi que sentimos mais empatia por pessoas que são parecidas conosco de alguma maneira, por pessoas do nosso circulo, de nossa região ou com preferências parecidas com as nossas. Por isso tendemos a nos importar mais com estas pessoas, a usar nossos recursos e nossos esforços primeiramente ou somente com e por elas. O que, de certa forma, nos estimula a agir de maneira tendenciosa e discriminatória.

OMG! Mas e agora?!?!

E agora é que entra em cena o tal cara que talvez seja o mais feliz do mundo. Buscando encontrar o que fazer para poder continuar tentando compreender e ressoar o que os outros sentem sem cair no perigo de criar mais separação, distanciamento e violência nas minhas relações interpessoais me deparei com o livro (que na época se tornou e continua sendo um dos meus livros de cabeceira) “A revolução do altruísmo” de Matthieu Ricard (bioquímico, PhD em biologia molecular, pesquisador, escritor e monge budista). E, apenas pra deixar a coisa toda mais divertida, vou agregar um outra curiosidade em relação à este cara, dizem que seu cérebro é um dos mais estudados no mundo.

Neste único livro constam mais pesquisas, autores, conceitos e experiências sobre empatia juntos do que eu encontrei em muitos outros livros combinados. E a empatia é só uma gotinha no oceano que é este livro.  Só por isso já vale uma bela recomendação (leiam!). Mas o que pretendo partilhar dele neste momento é que a empatia pode ser a porta de entrada para nos levar a aprender como nos relacionar e interagir com as pessoas de forma a experimentar o que realmente é uma convivência saudável, justa e pacífica. Mas ela não é a única. Na verdade ela nem precisa necessariamente ser a porta de entrada. Existem outras. Existe inclusive não sentir empatia e conviver pacificamente com quem amamos e com quem discordamos.

Coisas que vejo com frequência no mundo lá fora e no mundo aqui dentro são o contágio emocional e o burnout. Experiências diferentes em que ressoamos com o sofrimento do outro de tal forma a nos levar também ao sofrimento extremo (inclusive físico) a ponto de nos afastar das pessoas e, muitas vezes, de nos paralisar. Paralisados não conseguimos agir para ajudar a quem sofre e a nós mesmos. O que pode ocorrer neste caso é aumento de sofrimento e nenhuma ajuda, ou seja, uma situação pior do que a inicial quando apenas uma pessoa sofria. Se isso se propaga rapidamente temos milhões de pessoas em sofrimento e nenhuma possibilidade de sair dele.

É aí que entra em cena o presente que conhecer Matthieu me trouxe: a compaixão como pratica. Compaixão é o desejo de que todos os seres não sofram e superem as causas do sofrimento. Segundo suas pesquisas em conjunto com a neurocientista Tania Singer ao isolar a empatia no cérebro (em testes de imagens de ressonância magnética) foram acionadas áreas (córtex cingulado e insula) que geraram como resultado grande mal estar, cansaço, tristeza e até certa repulsa (um impulso de distanciamento). Ao passo que ao repetir os testes de imagens incluindo a pratica da compaixão outras áreas foram acionadas no cérebro (como o striatum ventral) e levaram não ao mal estar e repulsa, mas sim sensação de motivação e recompensa. Diante do sofrimento do outro se sentimos somente empatia podemos ficar tomados de sofrimento e não sermos capazes de agir. Mas se a compaixão entra em cena temos maior possibilidade interna de lidar e ajudar a quem quer que seja (ao outro e também à nós mesmos).

Para Tania Singer “em contraste com a empatia, a compaixão não significa compartilhar o sofrimento do outro: pelo contrário, ela é caracterizada por sentimentos de carinho, preocupação e cuidados para com o outro, bem como uma forte motivação para melhorar o bem-estar do outro. Compaixão é sentimento para com o outro, e não sentir junto com o outro”.  Saber disso pode ser incrível, podemos não sofrer como o outro sofre e ter grande motivação para ajudá-lo. Sei que pode parecer frio, mas reflita comigo, não é isso que todos nós desejamos? Um mundo em que todos possam viver livres de sofrimento e serem felizes? O que isso nos diz é que não precisamos que o mundo todo sofra pra que ajudemos e façamos o bem uns aos outros. Podemos nos sentir bem e ser extremamente compassivos.

Isso não significa que a empatia seja uma vilã e que não devamos buscar compreender o que o outro sente. Ao contrário, acredito que qualquer meio que nos leve a nos conectar com os outros e nos motive a ajudar de alguma forma pode ser importante e válido. Mas ao compreender melhor e mais a fundo a empatia e a compaixão temos mais possibilidade de identificar e entender como nos sentimos e nos comportamos frente às pessoas ao nosso redor, as divergências e o sofrimento alheio. E quando compreendemos algo profundamente aumentamos significativamente nossa probabilidade de ação.

Pra quem deseja entender melhor e mais a fundo como funciona tudo isso e uma infinidade de outras coisas interessantes o livro do Matthieu é esse aqui:

 

E pra quem não tem tempo, grana ou apenas não curte muito ler livros mais densos aí vai uma notícia bacana. A Netflix acaba de disponibilizar um documentário que é um resumo de alguns pontos do livro, e tem o mesmo nome. Apesar de o livro ser absurdamente mais profundo, completo e complexo, acredito que ver o documentário já possa ser uma experiência bacana e interessante.

Ah! E pra quem quiser conhecer e compreender melhor as pesquisas e achados de Paul Bloom sobre a empatia o livro dele se chama “Against Empathy: The Case for Rational Compassion”. Já o ebook “Compaixão: Ligando Prática e Ciência” foi editado por Tania Singer. No momento está disponível apenas em inglês, mas pode ser baixado gratuitamente no endereço www.compassion-training.org.

LARISSA ROXO – Assessora em Comunicação, Coach e Fonoaudióloga CRFª 13 921

Graduada em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica PUC/SP;
Aprimoramento em Saúde Coletiva pela Universidade Católica PUC/SP;
Certificada pelo Instituto Holos de Qualidade através da International Coach Federation como Coach e Mentoring;
Pós graduada em Motricidade Orofacial com Ênfase em Disfagias no Âmbito Hospitalar CEFAC/SP;
É  Coach em comunicação e Fonoaudióloga clínica. Com atuação no desenvolvimento de pessoas para o aperfeiçoamento da competência comunicativa, aprimoramento da comunicação verbal, comunicação não verbal, escuta ativa, recursos vocais, comunicação não violenta e transformação de conflitos, desenvolvendo comunicação assertiva, autentica e compassiva para o relacionamento interpessoal e profissional.

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