Em tempos líquidos e de alquimias psíquicas pouco se pergunta como chegamos a falar sobre algum assunto e de determinada maneira. Quero dizer que é comum nos meios psi, e talvez o principal impulsionador de pesquisas na área, um tipo de questionamento que se interesse em saber sobre o porquê de um fenômeno acontecer. O que é um questionamento legítimo. Contudo, é mais raro de encontrar questionamentos do tipo “Por que fazemos esse tipo de pergunta?” ou ainda “Como perguntamos algo tomando isto ou aquilo de referência?”. O colapso do cenário contemporâneo que envolve a clínica e o fenômeno do anti-intelectualismo não só dizem de como se pergunta em Psicologia hoje, mas também pode nos auxiliar a pensar sobre como e porque de determinados movimentos ganharem visibilidade e interesse entre os psicólogos na atualidade.

Uma das questões que atravessa a história tanto da Psicologia quanto da Psiquiatria e da Psicanálise é a busca pela construção de uma explicação que diga sobre o que constitui um Eu, um indivíduo ou um sujeito. É de comum acordo que as últimas décadas nos trouxeram avanços gigantescos nas pesquisas em neurociências, estas que descobriram as diversas formas de funcionamento cerebral e que são comumente compreendidas como as que dizem do funcionamento do indivíduo. É a partir daqui que gostaria de colaborar com o que eu chamaria de anedota à discussão do colapso da clínica e da explicação do sujeito a partir de referenciais hegemônicos. Pois se em pleno 2017 estamos encontrando o lugar onde “estão as vozes” da esquizofrenia, nos anos 80 Georges Canguilhem já acusava a Psicologia por abordar o pensamento como efeito de uma secreção cerebral. Mas não se enganem isso não quer dizer que Canguilhem negava a característica descritiva do funcionamento neurofisiológico, ele enfaticamente questionava como se explicava o porquê do pensamento.

Essa forma de explicar o pensamento pelo funcionamento cerebral é chamado pela historiadora e psicanalista Roudinesco de “mitologia cerebral”. Ou seja, a crença de que ao compreender como o órgão funciona compreenderemos o funcionamento do psiquismo de um sujeito. Esse modo de pensar foi necessário para a Psiquiatria, pois como sabemos, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (popularmente conhecido como DSM – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) segue um modelo descritivo dos fenômenos. Modelo no qual se parte do princípio de que os sinais do corpo indicam qual quadro se apresenta diante do profissional. E sua forma de tratamento é a alteração do funcionamento cerebral na busca da regulação daquela unidade. Dito isto, torna-se óbvia a conclusão sobre o que seria a boa saúde: Só precisamos exercitar nosso cérebro.

Desde a ascendência do cognitivismo a Psicologia, de modo geral, caminha por essa lógica. Antes, a Psicologia da consciência criticava a Psicanálise por entender que ela retirava do individuo a responsabilidade e poder de decisão de seus atos por causa do conceito de inconsciente. Seria irônico pensar que a mesma crítica cabe aos que discursam sobre o cérebro? Notoriamente, pelo pouco engajamento, esta questão parece não ser de muito do interesse dos psicólogos da consciência. No que cabe a Psicanálise, esta então caminhou por outros rumos, e como disse o psicanalista Joel Birman em uma de suas palestras: “Esta é uma guerra que a Psicanálise perdeu”.

A Psicologia vive uma situação constrangedora, pois os profissionais reféns do mercado, não parecem se perguntar, em nível epistemológico, como se dá o sujeito. Apenas repetem por procedimentos técnicos formas de intervir com a “mitologia cerebral” dada como constituinte. Isso torna objeto de reflexão as tais alquimias psíquicas e a relação de poder que o profissional de Psicologia estabelece em seu consultório. Relação esta na qual é demandada uma solução e explicação do porque estou assim, concerte-me e como vemos maciçamente a tomada de diversas estratégias sob critérios questionáveis, pois não há crivo epistemológico, para tentar dar conta de algo que falta. Falta da qual a escola Lacaniana tão bem nos ensinou, mas como dito acima, por não partilhar do mesmo mito é tomada como aversiva. Mas isso é tema de próximos encontros.

Lucas Chagas Moreira - Psicólogo

Graduado em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense e pós-graduando em Psicanálise e Saúde pelo Hospital Israelita Albert Einstein, atua com clínica psicanalítica e coordena o Grupo de Estudos em Psicanálise do Espaço Elabora.

Para mais informações: http://lattes.cnpq.br/2277088041709759

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