O desejo de mudar de sexo é uma aspiração que uma pessoa pode manifestar. Nos registros históricos, esse ambicionar passar para o sexo oposto, através das vestimentas ou mesmo de outros modos de expressão, indicava no sujeito uma certa indisposição em relação à sua sexualidade.
Na atualidade, essa indisposição com o próprio sexo marca o fenômeno da transexualidade, que se caracteriza pelo discurso daquele que se diz convicto de estar prisioneiro num corpo que não lhe pertence e que contraria, assim, a sua identidade sexual. O desejo de mudar de sexo é movido pelo forte sentimento de inadequação que o sujeito tem em relação ao seu próprio corpo. O transexual reivindica o direito de escolher seu sexo, acreditando ser esse diferente do que lhe foi concedido pela natureza.
Essa reivindicação se opõe à conformação anatômica que lhe foi destinada. Dessa forma, a transexualidade aparece como o fenômeno que se caracteriza como uma disjunção entre o que é estabelecido entre sexo e gênero. A partir dos anos 50, houve uma maior divulgação dos casos de transexualidade pela medicina, e, juntamente, veio ao conhecimento público o desenvolvimento e aperfeiçoamento das terapias hormonais e das técnicas cirúrgicas. Essas técnicas possibilitam a redesignação sexual e garantem ao sujeito um direito humano suplementar, que é o direito de escolher o próprio sexo. Tal promessa de felicidade, que vislumbra o procedimento cirúrgico na mudança de sexo, não é sem danos para o sujeito e não lhe assegura a resolução do mal-estar em relação à sua sexualidade.
Na contemporaneidade, a transexualidade se apresenta como um fenômeno que envolve questões complexas. Desse modo, elas carregam a necessidade de serem debatidas em virtude da problemática que as compõe. O discurso carregado de convicção do sujeito transexual em relação ao seu sexo, que destoa da sua identidade sexual, a demanda da cirurgia de mudança de sexo, sua estrutura clínica, seus modos de gozo e de lidar com o seu sintoma se tornam desafios que nos chegam à clínica e nos interrogam na maneira de conduzir e direcionar o seu tratamento.
Uma avaliação clínica, para indicar a questão diagnóstica de uma estrutura em psicanálise, não está constituída objetivamente, isto é, não assume um caráter descritivo, e, sim, tem como referência o saber do sujeito. A experiência analítica se orienta no sentido de traçar um diagnóstico clínico pela posição do sujeito em relação ao seu dito, permitindo localizá-lo em sua posição subjetiva.
Faz-se necessário escutar a demanda pelo pedido da cirurgia de troca de sexo. Qual significado essa demanda pode abrigar? Adequação ou não adequação ao seu sexo? Convicção ou dúvida? É possível que essa demanda acolha inúmeros sentidos para cada sujeito. Antes mesmo de tomar a convicção do transexual em relação ao seu sexo como veredicto de uma estrutura, ou mesmo de traçar a direção do tratamento, é preciso inscrever os casos de transexualidade na possibilidade de análise pessoal.

euza-moreira

Graduada em psicologia pela UNIME Itabuna (BA);
Especialização em Clínica Psicanalítica na atualidade: contribuições de Freud e Lacan (PUC MINAS);
Especialização em Psicanálise: clínica da criança e do adolescente (PUC MINAS);
Mestre em Psicologia – Processos psicossociais (PUC MINAS).

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